quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

COBRANÇA INDEVIDA DE CORRETAGEM GERA INDENIZAÇÃO EM DOBRO



Ao efetuarem o pagamento pelo serviço de intermediação imobiliária não previsto expressamento no contrato, bem como na propaganda, o
s compradores acabam por custear um serviço prestado à incorporadora, e que por esta deveria ser pago. Destarte, o repasse aos compradores de custos de comercialização do empreendimento, como a corretagem, resulta no enriquecimento ilícito das incorporadoras, além de propiciar o enriquecimento ilícito das incorporadoras requeridas, com a prática do repasse do custo da corretagem aos compradores há ofensa, no mínimo, aos direitos básicos dos consumidores à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, (...)” (artigo 6.º, inciso III, do CDC) e à “proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas (...) abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (artigo 6.º, inciso IV, do CDC).

Como será demonstrado a seguir, ao imporem o custo da corretagem aos adquirentes de imóveis, as incorporadoras e imobiliárias agem de forma abusiva no fornecimento do produto. Além disso, em vista da pressão exercida sobre os compradores, agravada pela franca superioridade destas empresas na relação de consumo, não há dúvida de que  são empregados métodos coercitivos e desleais. Desleal, também, é a conduta de não prestar informação adequada e clara ao consumidor, não esclarecendo ou esclarecendo de forma insuficiente que a quantia cobrada seria a título de comissão de corretagem.

Efetivamente, pelo que se depreende do relato de muitos compradores, estes não contrataram, livre, consciente e voluntariamente, qualquer serviço de corretagem. Portanto, conforme ocorre normalmente, como os serviços de intermediação da compra e venda das unidades vem sendo prestados única e exclusivamente em favor das vendedoras - as incorporadoras - são estas que devem pagar pelos serviços. O que, por sinal, é a praxe no mercado imobiliário (quem geralmente arca com os custos da corretagem é o vendedor). Aliás, não só é o procedimento usual, como é a regra no ordenamento civil pátrio. Com efeito, nos termos do artigo 490 do Código Civil, “salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição” (sem grifos no original). E, sendo o pagamento da corretagem pelo vendedor o procedimento habitual, pacto em sentido diverso, para ser eficaz – e válido - deverá ser livre, consciente e voluntariamente aceito pelo comprador. Nesse sentido, a irretorquível e precisa lição de Sílvio de Salvo Venosa:

Quem usualmente paga a comissão é o comitente, na corretagem de índole civil. Cláusula contratual que disponha diferentemente deve ser livremente aceita pelo terceiro, sob pena de ser considerada ineficaz, o que ocorre, por exemplo, nos contratos de adesão, notadamente por aquisição de imóvel, em que o vendedor, na generalidade dos casos, tenta transferir Ocorre que se houve corretagem na comercialização dos imóveis dos tal ônus ao adquirente. A comissão, como regra geral, constitui obrigação a cargo de quem contratou a corretagem (Rizzardo, 1988:1.130)” (sem grifos no original) ( in VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. cit. p. 327)

Assim, somente é eficaz - e válida - a cláusula que transfere o ônus pelo pagamento da intermediação imobiliária ao comprador se este aceitá-la de forma livre,consciente e voluntária. Isto não ocorre quando o ônus da corretagem é imposto pelas incorporadoras e imobiliárias ao comprador; e este não tem opção, ou paga a corretagem, ou não adquire o imóvel. Neste sentido está a jurisprudência pátria, senão vejamos:

DIREITO DO CONSUMIDOR. COMISSÃO DE CORRETAGEM. AGENTES ATUANDO EM STAND DE VENDAS SOB AS INSTRUÇÕES DO FORNECEDOR. DESNATURAÇÃO DO CONTRATO DE CORRETAGEM. TRANSFERÊNCIA AO CONSUMIDOR DE SERVIÇO QUE NÃO LHE FOI PRESTADO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEVIDA. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, CDC. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1 – A controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que por sua vez regulamenta o Direito Fundamental de proteção ao consumidor (Art. 5º, XXXII, da Constituição Federal). 2 – Fixadas as normas e princípios que regulam o caso concreto, a pretensão dos recorrentes deve ser amparada com base no Princípio da boa-fé, art. 4º, III e art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, e no Princípio da informação adequada, art. 6º, III, também do Código de Defesa do Consumidor. 3 – O fornecedor tem o dever de informar qualificado, em que não basta o cumprimento formal do oferecimento de informações, mas o dever substancial de que o consumidor efetivamente as compreenda. 4 – A comissão de corretagem é ônus de quem contratou os serviços do intermediador. O fornecedor não pode transferir esse encargo ao consumidor, se optou por não incluir esse custo no preço cobrado, sobretudo quando não os informou adequadamente sobre esse ônus. 5 – Em verdade, sequer houve a prestação de serviços de corretagem, mas simples atuação de prepostos da empresa, uma vez que a corretagem exige que o corretor não esteja subordinado por qualquer relação de dependência com o contratante, violando o disposto no art. 722 do Código Civil. 6 – Nas relações de consumo não há que se falar em necessidade de prova da má-fé para aplicação da sanção do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, basta a falha na prestação do serviço, consubstanciada na cobrança indevida (ato ilícito) do fornecedor, para que seja devida a preparação. 7 – Recurso provido. Sentença reformada. (Acórdão n. 631366, 20110112126054ACJ, Relator LEILA CURY, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgado em 16/10/2012, DJ 05/11/2012 p. 260)

Desse modo, considerando que, na realidade, não é prestado serviço de intermediação imobiliária aos compradores; considerando que, nos termos da legislação, o ônus pelo pagamento da corretagem, na ausência de avença específica em contrário, cabe ao vendedor; e, considerando que o adquirente não assume de livre e espontânea vontade o encargo pelo pagamento da corretagem; a conclusão inarredável é de que não encontra qualquer amparo legal o repasse do ônus pelo pagamento do serviço de corretagem ao comprador de imóveis!

DO DEVER DE INDENIZAR EM DOBRO

O consumidor cobrado em quantia indevida faz jus, nos termos do parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, à repetição do indébito em dobro (“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável” ). Trata-se de verdadeira medida punitiva, de natureza civil, destinada a reprimir a conduta do fornecedor de produtos e serviços que, abusando de sua posição dominante na relação de consumo, locupleta-se ilicitamente em detrimento do consumidor.


Jorge Daher, advogado e especialista
 em direito do consumidor.
j.daher@outlook.com

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